Quem mandou ser educada ?
Uma amiga me contou essa história e eu ri tanto, que não tive dúvidas “Vou escrever uma crônica já !” pensei.
É a história de uma menina que certo dia, acordou atrasada para ir trabalhar. Deve ter perdido mesmo a hora, porque resolveu pegar um táxi e não tomou sequer um café antes. A única coisa que teve tempo e sorte de pegar, foi uma daquelas barrinhas de cereal - que as pessoas costumam comer, quando não tem tempo nem mesmo para mastigar.
Enquanto isso, não muito longe dali, um taxista igualmente atrasado e sem café da manhã, sai de casa para trabalhar. Como eu poderia saber que o pobre homem também tinha perdido a hora e estava de barriga vazia ? Simples : o que pode acontecer quando duas pessoas famintas se encontram, e só uma delas tem alguma coisa comível nas mãos ?
Para a sua sorte, a tal menina não demorou muito para conseguir um táxi. Para o seu azar, o taxista era o tal que eu descrevi acima. Dentro do táxi, sem ter mordido ainda a tão desejada barrinha de cereal, a menina educadamente pergunta “O senhor aceita um pedaço ?” Se ele tivesse o menor bom senso, responderia “Não moça, muito obrigado.” Mas a sua fome chegou antes que sua educação tivesse tempo de se manifestar, e ele respondeu “Sim, aceito.” Convenhamos, não foi falta de educação, mas também não foi nada delicado da parte dele.
Tudo bem se ele desse uma mordidinha e depois devolvesse o cereal para ela. Mas nem deu tempo disso acontecer. Três dentadas dele foram suficientes para acabar com o café da manhã dela. Verde ( de fome) e com tamanha raiva, essa menina deveria estar a cara do Hulk quando chegou ao trabalho. Pobre coitada ! Quem mandou ser educada ?
Pequeno momento feliz : ou grande momento triste, diria a infeliz personagem dessa crônica. Mas um conselho : melhor sermos educados e nos lascarmos depois, do que agirmos sem educação, e da mesma forma, nos ferrarmos depois.
Qual é o pente que me penteia ?
Pela primeira vez na vida, peguei um pente e tive dúvidas sobre qual parte do corpo pentear. Seres humanos comuns só costumam pentear um lugar do corpo : a cabeça. O que me faz ter certeza de que não sou lá muito comum.
Para vocês terem idéia, nem me lembro quando foi a última vez que penteei meus cabelos com um pente. Em outras palavras, não faço idéia há quanto tempo estou usando minhas próprias mãos para fazer isso. Azar de quem vende escova e pente. Sorte minha, que economizo uns trocados e ainda fico com um ar mais natural – e porque não, mais bonito também. Já sei, vocês devem imaginar que sou uma daquelas mulheres da idade da pedra ( a única coisa que dava um jeito na cabeleira daquelas pobres coitadas, era quando o Sr. Uga Uga arrastava elas pra cima e pra baixo pelos cabelos ) que nunca viram um pente na vida. Já vi sim. E acho que de tanto escovar, acabamos ficando tão artificiais quanto aqueles sucos de saquinho. Comecem a reparar nas pessoas descabeladas. Um dia vocês vão perceber a beleza que há nisso. Podem apostar. Mas, caso resolvam se tornar adeptos dessa filosofia, só não tentem fazer uma coisa : dormir de cabelos molhados e depois ficar o dia todo com eles do jeito que acordou.
E sem contar que fiquei dois meses sem poder fazer depilação nas pernas ( tive um acidente no trabalho, em que meus pés foram queimados por causa de um caldo de carne acabado de sair do fogo. Calma ! Estou me recuperando, e provavelmente quando vocês lerem isso, estarei curada. ) e já estava quase apelando para um pente. Mas graças a Deus, meus pelos nunca chegaram no comprimento necessário para isso.
Seria salva pelo gongo se terminasse esta crônica por aqui. Mas acabei de lembrar de um detalhe. E dessa vez acho que vocês não vão me perdoar. É que eu costumo pentear as sobrancelhas – queria tanto terminar essa frase assim, mas não teve jeito – com a escova de dente. Eu sei, eu sei. Isso é realmente estranho. Mas, e se eu disser que escovo os dentes com a escova de dente ? Será que isso me faz ficar mais parecida com um ser humano comum ?
Pequeno momento feliz : perceber que não é só o pente que penteia a gente; existem outras coisas também. E depilar as pernas, depois de tudo o que aconteceu, foi com certeza, um grande pequeno momento feliz.
Quem gosta de levar susto é soluço.
Uns acreditam que beber água de cabeça para baixo ( não me perguntem como ) é a única solução. Outros, tem certeza que se engolirmos nossa saliva três vezes seguidas ( é tanta saliva, que a gente se sente como uma criança brincando de cuspir no “coleguinha” da escola ) o problema se resolve. Ainda existem aqueles que preferem beber água com uma colher no copo ( será que tem alguma relação com os elétrons que o metal da colher libera no meio das moléculas de água ? ). Mas a grande maioria ainda prefere a técnica do susto, que eu particularmente acho a mais certeira de todas. É rápida e funciona. A não ser que você esteja com soluço, e ao mesmo tempo, se recuperando de uma séria queimadura nos pés. Porque aí, meus caros, um susto é a pior coisa que uma pessoa pode levar na vida.
Aconteceu comigo algo parecido. Mas com um detalhe : não estava com soluço. E mesmo assim levei um baita susto, e o pior é que não tive ninguém em quem descontar a raiva. Simplesmente porque não foi uma pessoa a vir me assustar, e sim um fantasma que estava vagando nos meus mais profundos sonhos enquanto dormia. Foi uma das poucas vezes na minha vida em que acordei chorando. Estava me recuperando de um acidente ( a pele dos meus pés ainda estava – quietinha - se regenerando ), quando o tal fantasma apareceu. Nem lembro do sonho, mas para causar tamanho espanto em mim, só podia ser alguma coisa do além mesmo ( acredito em espíritos, mas morro de medo do que não posso ver ). O susto fez os músculos do meu quase recém curado pé, se contraírem. Depois disso, foram trinta minutos sem parar de dor e choro, até eu me acalmar; solucei tanto, que a partir daquele dia, comecei a duvidar dos efeitos da técnica do susto sobre o soluço ( deveria fazer ele sumir, e não o contrário ).
Pequeno momento feliz : o susto, apesar de doloroso, foi o pontapé que eu precisava para começar a escrever minhas crônicas de novo. 30 minutos, esperando a dor passar, foi tempo suficiente para eu escrever essa crônica, que vocês acabaram de ler. Outro momento feliz - e esse aqui é grande - é ter pais que, apesar de não terem diploma de enfermeiro, são tão bons quanto.
As duas versões de uma história.
A versão do meu pai:
Fui pagar uma mensalidade da C&A para minha filha, lá no Shopping Iguatemi. Estacionei o carro próximo ao shopping, numa daquelas ruazinhas que você só pode parar se tiver o cartão de Zona Azul. Dá para contar nos dedos o número de ruas que hoje não são Z.A. em São Paulo. Sem falar na dificuldade para se achar um posto de venda de talão ( excluindo os não autorizados que obviamente cobram preços absurdos; e reparem como é gostoso pronunciar a palavra absurdo, quando alguma coisa realmente é absurda ). Noves fora, ficamos com a seguinte conclusão matemática : o número de ruas que são Z.A. é inversamente proporcional ao número de postos de venda de talão. Sorte para quem multa. Azar de quem dirige.
Minha filha não podia andar ( por causa daquele acidente que a deixou parecida com a Shakira...Ops! Quero dizer, com os “Pies Descalzos” dela ) e por isso ficou no carro. Pedi a ela que, se por um acaso aparecesse um fiscal da Z.A., dissesse a ele que eu tinha ido comprar um talão e já voltava. Não sei se o fiscal ia cair nessa, mas de qualquer maneira fui até o shopping, rezando para ele não aparecer.
Infelizmente existe a Lei de Murphy, e quando voltei, lá estava ele. Alto, moço, uniforme azul, próximo ao carro, falando com a minha filha. Há quanto tempo estaria ele ali ? Com certeza, mais tempo do que eu normalmente levaria para comprar um talão de Z.A. Essa não. Outra multa.
A minha versão:
Meu pai me deixou no carro e foi pagar meu boleto da C&A, no Shopping Iguatemi. Como a rua em que ele estacionou era Z.A., a frase que eu precisava ter na ponta da língua era a seguinte: “Moço, meu pai foi comprar o talão da Z.A. e já vem, tá ?” Só meu pai mesmo para achar que isso ia evitar uma multa.
Enquanto o fiscal não vinha ( meu nível de pessimismo tinha aumentado um pouco naquele dia), liguei o rádio para me distrair. Foi então que vi um menino atravessando a rua, e pensei “Puxa ! Conheço ele. Estudou comigo.” Só que eu não tinha tanta certeza disso. Mas, melhor pagar um mico, do que deixar um amigo de infância passar por mim sem perceber.” Esperei ele se aproximar, e lá fui eu gritar pra fora do carro : “Cebola!!” O apelido foi a única coisa que me veio à cabeça naquela hora. Só fui lembrar do nome depois: André. Tive sorte, era ele mesmo. Claro que o fato de existirem no mundo, mais Andrés do que Cebolas, contribuiu para o meu acerto.
Meu amigo também me reconheceu. Ficamos um tempão conversando, quando meu pai chegou. Detalhe : meu amigo era advogado, alto, e estava com um terno azul naquele dia. Adivinhem com quem meu pai não confundiu ele ?
E o mais engraçado ainda é que, gritando o apelido dele na rua, descobri que levo jeito para ser feirante também. Jamais imaginei que teria vocação para isso.
Pequeno momento feliz : encontrar um amigo de infância na rua; entender que as histórias tem sempre um outro lado ( quase sempre oculto aos nossos olhos ), e que sempre existe mais de uma maneira de ver as coisas. Ah, já ia me esquecendo, nunca é tarde para se descobrir uma outra vocação.
"Pies Descalzos"
O nome daquela música famosa da Shakira ou meus pés depois do acidente ? Na verdade, um pouco de cada coisa.Primeiro porque dancei essa música numa festa de um amigo a um mês atrás. Detalhe : era uma festa à fantasia, e eu estava vestida de gueixa ( nem mesmo a minha cabeleira loira me impediu de ficar parecida com uma ), com meias brancas e Havaianas no pé. E como não havia nenhuma índia na festa ( afirmo sem muita certeza, devido a quantidade de caipiroskas que bebi ), me considerei a pessoa mais descalça naquela noite. E talvez, a menos sóbria. Graças a Buda, não trombei com nenhum oriental radical, que conhecesse a seriedade e integridade de uma verdadeira gueixa. Aliás de gueixa, eu só tinha mesmo o quimono. ARIGATÔ !
E segundo, que o tal acidente que provocou uma queimadura nos meus pés, também me deixou descalça por um bom tempo. Foi como - dois meses depois da festa – tirar a fantasia de gueixa, as Havaianas e as meias, e substituí-las por montes de gaze, faixas e esparadrapo. Foi triste. Doloroso. Um mês com os pés para cima. E ai de mim se não fizesse isso, porque colocá-los para baixo, era como ter duas bombas prestes a explodir nos pés. Bem, pelo menos o único compromisso que não precisei desmarcar, foi uma consulta ao ginecologista. E pela primeira vez, não achei ruim ficar deitada naquela mesa dura, com os pés para cima.
Pequeno momento feliz, da festa : não perder as havaianas no salão; não ter levado nenhuma pisada no pé; e não ter encontrado outra gueixa ( ou o melhor da festa à fantasia não é a originalidade ? ).
Pequeno momento feliz, do acidente : a dor que eu senti quando queimei os pés, fez a minha dor na coluna “desaparecer”; portanto, nunca fale que a dor que você sentiu algum dia – seja qual for – é a pior dor que você já teve na vida.
Cuidado com o macaco !
Alguém já viu um lagarto em plena cidade de São Paulo ? Eu não. O máximo que eu já consegui ver foram umas pequeninas lagartixas nas paredes lá de casa. Moro numa região com bastante mato em volta, e de vez em quando recebemos visitas não-humanas, como cobras, sapos gigantes, iguanas, lagartos...visitas que não tocam a campainha e acabam se tornando nossos hóspedes. Para vocês terem idéia, minha mãe “criou” um lagarto ( o apelido dele era “Lagui” ) por alguns meses – toda vez que ele aparecia, ela dava uma banana para ele comer. Pode ? E eu achava que da minha família, eu, era a mais apegada aos animais. Me enganei...
Mas já faz tempo que o “Lagui” não aparece por aqui. Deve ter arrumado outro lar, quem sabe ? Não preciso dizer que minha mãe ficou triste ( só não espalhei faixas pelo bairro, porque senão a vizinhança iria achar meio estranho ). Tratei logo de arrumar outro bicho de estimação para ela, e que coincidentemente também come banana ( duas por dia; quatro se deixar ). A única diferença é que agora, escolhi um animal mais normal de se criar – um lindo cachorro da raça boxer, chamado Mané. Agora é que aquele lagarto não volta mesmo.
E por falar em animais, já viram aquelas placas de aviso nos portões das casas, tipo “Cuidado com o cão !” ? Claro que viram, é super normal ter uma dessas quando se tem um cachorro em casa. Mas e uma placa escrito “Cuidado com o macaco !” ? Convenhamos que não é muito comum, ainda mais se estiver num tronco de uma árvore - a não ser que Tarzan e Chita morem nessa árvore. Não duvidem, vi uma placa dessas indo para o trabalho esses dias. E como se não bastasse, conversando com minha cabeleireira hoje, fiquei sabendo de outra placa que ela disse ter visto no meio do mato, escrito “Proibido pescar !”. Mas pasmem, não tinha nenhum lago perto. Apenas uma poça d’água. Só faltava minha mãe colocar também uma placa no portão de casa, com a seguinte frase “Cuidado ! Lagarto feroz.”
Pequeno momento feliz : morar em São Paulo não é tão estressante quanto se imagina; é só ficar de olhos bem abertos e sempre atento a essas esquisitices do dia-a-dia. E feliz do macaco, se é que existe mesmo um naquele lugar, que não vai ser incomodado com um aviso desses.
O lixeiro que usava mochila.
Oito horas da manhã, estou indo para o trabalho. Passo antes no banco para tirar dinheiro. Aliás, a melhor hora para se ir ao banco – quando se pode usar o caixa rápido claro – sem enfrentar fila. Não tinha mais ninguém, a não ser eu, lá dentro. Mas de repente surge uma menina, que estranhamente não vai ao caixa tirar dinheiro ou coisa parecida. Ela simplesmente caminha até o canto da sala, onde havia uma lata de lixo. Mas ela também não foi jogar alguma coisa fora – o que é de se esperar de uma pessoa normal, ou que pelo menos aparenta ser – tipo um chiclete ou um papel, por exemplo. Pelo contrário, ela tirou um saco de lixo vazio – daqueles bem grandes – de trás da lixeira ( o que achei bem curioso ); ainda mais por ela estar vestida assim como eu, de calça jeans e camiseta e mochila nas costas. Só sei que ela saiu do banco com o saco na mão e nunca mais a vi. E não entendi bulhufas do que aconteceu. Como era cedo, e eu estava com muito sono naquele dia, pode ser que aquilo não tenha passado de uma visão surreal. Pode ser, porque não ?Poderia ter sido mesmo uma visão do além, a não ser por um motivo. Uma semana depois, desço do ônibus ( o ponto fica a umas duas quadras do mesmo banco ), e de longe vejo uma menina, bem parecida com aquela que tinha entrado no banco no outro dia. A “mesma” calça jeans, a “mesma” camiseta, a “mesma” mochila, só não dava para ver o rosto. Seria a “mesma” menina da semana passada ? Não tive mais dúvidas enquanto ia me aproximando, pois notei que ela varria a calçada da frente do banco e jogava a sujeira num saco de lixo que estava no chão perto dela. Sim, pasmem, um saco de lixo igual ao que ela pegou – e como acabei descobrindo dedutivamente logo em seguida, deve pegar todos os dias para limpar a calçada do banco – uma semana antes, detrás da lixeira do banco. Depois do mistério solucionado, só restaram duas dúvidas na minha cabeça : 1) como assim um funcionário de banco vestindo calça jeans e camiseta ? onde foi parar o uniforme ? 2) e a vassoura, de onde ela pegou ? ou era dobrável, e ela guardava na mochila ?
Pequeno momento feliz : para mim, é ter uma memória visual apurada, capaz de me fazer lembrar de coisas aparentemente insignificantes, mas que felizmente servem de matéria para crônicas como esta. Para vocês, textos e mais textos para ler e rir. E para a menina-lixeira, bem, para ela deve ser um alívio ter que trabalhar sem uniforme.